20 de jul. de 2011

Duas Lições Sobre o I Ching

Escrito por Aleister Crowley

Lição 1

O que é o I Ching? O título significa “O Livro das Mutações” e as primeiras informações que temos sobre ele é que é composto originalmente pelos Trigramas de Fu Xi, sendo criados por volta de 3322 a.C. Devemos aprender no devido tempo o que estes são, como toda a filosofia deve derivar da contemplação da origem das coisas. Toda filosofia sã deve começar com a concepção do Zero, pois se começarmos com qualquer outra concepção, temos uma condição desequilibrada, e, portanto, que não pode ser original. E então a questão que se repete é: “Como isso veio a ser?” Para nossos Irmãos chineses, com essa paixão irresistível pelo equilíbrio (que se manifesta em todos os mínimos detalhes de sua própria vida diária), tal consideração é evidentemente fundamental.

Na filosofia brâmane, os Rishis explicaram o Universo dizendo que Deus o criou. A pergunta surgiu imediatamente, “Quem criou Deus?” Para responder a isso, era necessário tornar Deus auto-suficiente. Portanto, eles começaram a analisar suas atribuições. No final, verificou-se que quaisquer atribuições positivas não apenas implicavam limitações, como também retornavam diretamente à massa original de ignorância. E consequentemente eles foram forçados a concluir negando todas as qualidades ou quantidades, seja quais forem, ao Deus supremo, Parabrahman. Em outras palavras, eles se viram obrigados a reduzir o seu Deus a Nada. Os chineses, sendo mais práticos, cortaram todo o desperdício de trabalho tendo começado com o “Nada” do “Grande Extremo”, que realmente podemos considerar como o equivalente do Tao. Nós representamos geometricamente este Tao por um ponto. Mas desde que este Tao não é apenas Nada mas também inexistente em relação a todos os outros predicados possíveis, verifica-se na análise que uma coisa que não é de modo algum nenhuma coisa pode muito bem ser considerada como algo. Se dissermos que nenhum ovo não está em um cesto, nós meramente inventamos um jeito complicado de dizer que alguns ovos estão no cesto. (Desenhar um diagrama de Euler para ilustrar isso.) [Nota de Frater S.R.: Não segue.]

Agora, no curso da análise hindu, enquanto eles estavam tentando determinar as qualidades de Deus, eles se depararam com um fenômeno que eles chamam de “os pares de opostos”. O mais importante é entender essa necessidade de pensamento: que a nossa tentativa de resolver o problema filosoficamente é completamente destruída logo que admitimos dois lados de uma equação que não se cancelam exatamente. Os chineses, ao perceber que o Tao (neste contexto o chamaram de Tai Ji) é tão puramente “Nada” que deve ser “Algo”; ou pelo menos capaz de apreensão simbolizando-no como “Algo”. Então eles tomaram um par de opostos original e chamaram a estes de “Yi” ou “Yao”. Estas linhas são chamadas, respectivamente, Yang e Yin; o Yang sendo uma linha contínua e o Yin uma linha dividida. Estes correspondem ao princípio masculino e feminino da natureza. Eles podem ser chamados de o Pai e a Mãe. Então o Tao simplesmente se divide em Tao e Te, Shiva e Shakti. Agora vemos quão impressionante é a identidade com a teologia hebraica em relação ao Tetragrammaton. (Eu tratei profundamente deste assunto em meu ensaio sobre o Tarô).

Temos então uma fórmula de geração e desenvolvimento por esta equação: 1=(-1)=0, ou melhor, 0=1=(-1).

Mas a fim de progredir a qualquer complexidade maior, não é o suficiente tomar duas coisas uma por vez; elas permanecem simplesmente duas. Devemos, portanto, tomá-las duas a duas. E assim alcançar o que os chineses chamam de Xiang. São eles:

  1. O grande ou velho Yang ⚌
  2. O jovem Yin ⚎
  3. O jovem Yang ⚍
  4. O grande ou velho Yin ⚏

Os filósofos chineses descobriram que essas quatro combinações ainda eram bastante inadequadas, talvez da mesma forma como é impossível fazer um quadrado mágico de quatro células, duas a duas. O grande Fu Xi, portanto, decidiu considerar as combinações de duas coisas tomadas três ao mesmo tempo, e assim definir as bases de todo o I por seu Gua, ou Trigamas. Estes são, é claro, em número de oito.

Lição 2

Neste ponto, a erudição não iniciada começou a causar problemas. As atribuições de Fu Xi não eram devidamente compreendidas, e em 1185 AC, ou por aí, o Rei Wen deu uma ordem e um conjunto de atribuições completamente diferentes para o Gua, que se mostrou bastante insatisfatória. Ele também erigiu um sistema comum de adivinhação, considerando a combinação de duas coisas tomadas seis de cada vez, e por sua vez colocando cada Trigrama sobre o topo de cada um dos demais. Assim, ele obteve as 64 figuras ou hexagramas do I Ching. Para cada Hexagrama ele forneceu um breve comentário chamado de Tuan. Seu filho, o Duque de Zhou, escreveu um comentário sobre cada linha individual de cada Hexagrama. O livro por esta altura havia se tornado bastante reverenciado pelos estudiosos em geral, mas sua capacidade não parece ter sido igual ao seu entusiasmo. Em particular, há uma série de comentários atribuídos a Confúcio, muitos deles sendo quase que certamente espúrios.

Todo este problema surgiu da incapacidade de manter a precisão matemática da concepção original. Os chineses têm sido sempre prejudicados pela ideografia de seu sistema; sua linguagem nunca progrediu além do estágio aglutinativo, e eles cultivaram uma tendência muito irritante de serem poéticos e pictóricos. O sistema do I, considerado corretamente, é extremamente simples e adequado, e revela-se, em exame, como sendo idêntico ao sistema da Santa Cabala.

Voltemos à consideração do Gua. Quatro destes mostram o ⚊ e suas modificações, quatro deles, o ⚋. Há uma espécie de hierarquia descendente, que inevitavelmente sugere as Sephiroth. O mais importante é verificarmos o equilíbrio das coisas a cada passo em nosso caminho. Sempre que alguma coisa perde o equilíbrio, torna-se imperfeita. O primeiro dos Trigramas, ☰, é a explicação perfeita da ideia masculina, sem qualquer partida da simplicidade, além da mera multiplicação do símbolo. Portanto é chamado de Qian, que é o Lingam do Céu. No outro extremo da escala está ☷, que é chamado de Ku, isto é, Yoni, ou Terra, e corresponde exatamente a Qian.

A primeira depreciação da perfeição da simplicidade masculina é a interferência equilibrada pelo ⚋ e assim obtemos o símbolo Li, ☲, significando o Sol e correspondente a Kan, ☵, que é a Lua. Estes também são chamados de Tai Yang e Tai Yin. O Sol e a Lua são, portanto, por assim dizer, representantes materialmente potentes das ideias puramente espirituais de Lingam e Yoni. Isso, de fato, dá a chave para o livro. O caractere chinês que significa I Ching é composto dos caracteres para o Sol e a Lua.

As mudanças descritas neste Livro das Mutações são alterações produzidas pela interação do Sol e da Lua. Todo fenômeno sendo um ato de amor sob vontade, podemos perceber como os chineses consideraram esta questão; tudo o que acontecia era o resultado de alguma interação dos princípios solar e lunar.

Existem, porém, mais quatro Kwa, mas estes não podem ser equilibrados como Lingam e Yoni, ou como o Sol e a Lua. Eles possuem uma mancha definitiva da imperfeição e correspondem precisamente aos “quatro elementos” da filosofia cabalística. Ao atribuir estes, somos auxiliados consideravelmente pelo efeito pictórico. O trigrama Sun ☴ sugere a atmosfera abaixo do abismo indissolúvel do Céu. Dui, Água ☱, sugere uma onda do abismo indissolúvel do fundo do mar. Zhen, Fogo ☳, sugere as chamas ascendentes tremulantes sobre a lareira. E Gen ☶, lembra-nos da crosta terrestre sobre o núcleo pastoso. Isso, é claro, é muito vago, mas é muito chinês. Felizmente, não somos inteiramente dependentes da tradição, porque quando viemos a colocar estas onze figuras sobre a Árvore da Vida, descobrimos não apenas um equilíbrio absoluto em si, mas uma perfeita correspondência com as atribuições tradicionais das Sephiroth. (Ver o diagrama)

[Diagrama relacionando os trigramas, o Tao e o Yin e Yang à Árvore da Vida]

Fonte

Traduzido por Frater S.R.

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